Madiba, um herói africano da igualdade e da paz, um ser universal.
Rolihlahla Dalibhunga Mandela, seu primeiro nome significa, em xhosa, algo como "agitador" - o que pode ser considerado profético - já que a expressão quer dizer, no idioma natal zulu: "aquele que ergue o galho de uma árvore".
Revolucionário da causa anti-segregacionista, mas ao ser preso por 37 anos, torna-se uma liderança política que acaba por subir ao poder e pregar a conciliação e a igualdade entre negros e brancos.
Este é um homem digno de ser lembrado, estudado, referenciado e ter suas idéias seguidas. Quantas são suas citações merecedoras de eco? Algumas são impressionantes, pois coincidem com suas atitudes. Isso que me faz refletir. Estas almas perenes, nobres, são seres humanos comuns, também erram, mas deixam um legado muito importante. Após ser treinado para luta de guerilha, Mandela engajou na revolução pela causa negra na África do Sul, apesar de suas primeiras convicções indicarem um caminho pela luta armada, aos poucos, foi-se rendendo aos exemplos e conselhos de nobres parceiros partidários que pregavam a não-violência que foi sua marca. Se a história tenta mitificar líderes guerreiros como Alexandre, O Grande, Napoleão, Genghis Kan, entre outros, prefiro elevar a figura de líderes que preferiram o caminho da paz e da conciliação, como Gandhi, Martin Luther King Jr e John Lennon.
Sua história é muito rica e inspiradora.
Menino da nobreza tribal do povo Thembu, e do clã dos Madiba,foi preparado pela família para ocupar um cargo de chefia tribal, mais tarde recebe o nome Nelson Madela de uma professora, seguindo o costume, que dava nomes ingleses aos frequentadores de escola.
Sobre sua aldeia natal ele escreveu, na autobiografia, que "era um lugar distante, um pequeno distrito afastado do mundo dos grandes eventos, onde a vida corria da mesma forma como há centenas de anos.
Desde menino fora preparado para ser o líder da sua tribo, mas decidiu tomar outro destino. Brincou mais tarde: "...hoje seria um chefe muito respeitado, sabe? Teria uma barriga bem grande, muitas vacas e carneiros." .
Estudou em Fort Hare, primeira universidade da África do Sul a ministrar cursos para negros. Lá os professores repetiam aos alunos: "Agora que vocês estão na Fort Hare, serão líderes de seu povo." e realmente muitos de seus alunos saíam de lá para um emprego, com renda garantida e alguma influência; apesar disto, não se ensinava como enfrentar o preconceito, a opressão racial.
Quase tornou-se líder estudantil na faculdade, após ser leito em uma passeata por melhorias internas, mas acabou desistindo após uma conversa com seu sobrinho mais velho e veterano local. O próprio reitor Kerr lhe houvesse lhe dado duas únicas opções: assumir o cargo ou sair da faculdade. Decide sair e ir para Joanesburgo.
Mandela em 1937
Na capital passou os primeiros anos de modo errante; trabalhou como vigia numa mina, e foi despedido; era visto pelas famílias que o abrigavam como "imprestável", até que finalmente teve seu primeiro encontro com Walter Sisulu, em 1941, e que mudaria definitivamente sua vida. Sobre este encontro Sisulu diria, mais tarde: "Queríamos ser um movimento de massa, e então um dia um líder de massa entrou no meu escritório."
Sisulu consegue-lhe emprego de assistente na banca de advogados judeus Witkin, Sidelsky & Eidelman - únicos então que contratariam um negro para esse trabalho. Continua os estudos, no curso por correspondência de Bacharelado em Artes (BA) pela Universidade da África do Sul, em 1942, mesmo ano em que frequenta informalmente as reuniões do CNA. Bacharelando-se em 1943, ingressa no curso jurídico da Universidade de Witwatersrand, onde se gradua.
Mais tarde, junto a Oliver Tambo, inauguram o primeiro escritório advocatício negro do país. Nas lidas jurídicas descobre como a justiça pendia para os brancos, e as leis eram parcialmente aplicadas.
Foi apenas em Joanesburgo, quando já não era mais tratado como um garoto da nobreza tribal, e sim como mais um negro pobre do interior, que Mandela se conscientizou do abismo que separava brancos e negros no país. Foi este choque que provocou-lhe a reação de lutar contra o racismo. E o fez ingressando no Congresso Nacional Africano (CNA).
Junto a Sisulu, Oliver Tambo e outros, ainda em 1944, criam a Liga Juvenil do CNA, com sigla em inglês ANCYL. Tencionam mudar a postura subserviente do partido face aos brancos, e lançam o manifesto "Um homem, um voto" - onde denunciam que 2 milhões de brancos dominam a 8 milhões de negros, além de deterem 87% do território.
Adentra então pela atividade política. É preso em várias ocasiões e passa vários dias encarcerado; finalmente é condenado, junto a outros dezenove companheiros, com base na Lei de Repressão ao Comunismo, a uma pena de nove meses de trabalhos forçados, que é suspensa por dois anos; recebe também neste ano a primeira de várias ordens de interdição, proibindo-o de participar de atividades políticas.
Em 1957, quando tem início a tramitação do Julgamento por Traição, Mandela é um advogado bem sucedido e divorciado, tornara-se umbon vivant: frequentava restaurantes, andava num carro americano importado.
O Umkhonto we Sizwe – "Lança de uma Nação" - também conhecido pela sigla "MK", foi criado em 1961 como braço armado do CNA, tendo Mandela como primeiro comandante em chefe. Era a resposta do movimento ao Massacre de Sharpeville, no entendimento de que o apartheid não mais poderia ser combatido com a não-violência.
O líder passa a ostentar uma barba, ao estilo do guerrilheiro Ernesto Che Guevara, a vestir uniforme camuflado e dá início à campanha armada. Vivendo na clandestinidade, evita ser encontrado; seu esconderijo ficava próximo à casa de Gordon Goose e Ursula, e por diversas vezes Mandela visitava-os, à noite.
"Nós adotamos a atitude de não violência só até o ponto em que as condições o permitiram. Quando as condições foram contrárias, abandonamos imediatamente a não violência e usamos os métodos ditados pelas condições. - declararia, mais tarde.
Selo de 1988 da extinta URSS, mostra Mandela na fase revolucionária.
Enquanto seguia seu périplo pelo continente, na África do Sul a polícia continua a caçada para sua prisão; Mandela recebe da imprensa o apelido de Pimpinela Negro, numa alusão ao Pimpinela Escarlate, personagem fictício criado pela baronesa Orczy.
Acabou preso e julgado pelo governo. Falou por quatro horas, concluindo: "Durante a minha vida, dediquei-me a essa luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer".
Em 11 de junho de 1964 Mandela recebe uma pena de prisão perpétua. Após receber a notícia da morte de seu primeiro filho, escreve em 24 de julho ao segundo filho, Makgatho, observando que ele agora era o mais velho e responsável por manter a união familiar, com a perda do irmão; insiste para que o jovem invista na educação: "As questões que hoje agitam a humanidade exigem mentes treinadas".
O número do preso na Ilha de Robben
O partido CNA instaura uma onda de protestos no país pela libertação de Mandela e seus amigos, a reação do governo de origem branca é partir para o confronto. A situação se agrava e é instaurado o regime do Apartheid com repercussão internacional.
Em um episódio Mandela fora transferido ao isolamento, e não protestou. Segundo disse mais tarde, aproveitou o isolamento para fazer algo que iria contrariar a todos - ao CNA e os companheiros de cárcere: negociar com o governo; iria agir por conta própria, sem consultar ninguém. Mesmo prisioneiro Mandela foi homenageado mundo afora: em junho de 1983 recebe o doutorado em Direito por seu "compromisso altruísta para com os princípios de liberdade e justiça" pelo City College de Nova Iorque; neste mesmo ano é feito cidadão honorário da cidade grega de Olímpia. Mandela já era famoso pelas suas ações.
Mandela era o preferido parta negociações, no sentido de acabar tinha nível superior e falava africâner, aprendido na prisão. Após anos de negociações, inicialmente com o presidente Botha e posteriormente com Frederik de Klerk, seu sucessor. Em novembro de 1989, Nelson Mandela cita que de Klerk "é o mais sério e honesto dos líderes brancos com quem ele negociou."
Soltura
Em 11 de fevereiro de 1990 Mandela finalmente é solto. Uma multidão o aclama, respondendo quando no gesto de luta ergue o punho fechado. Tem fim o longo cárcere, e ele iria depois registrar o momento: "Quando me vi no meio da multidão, alcei o punho direito e estalou um clamor. Não havia podido fazer isso desde há vinte e sete anos, e me invadiu uma sensação de alegria e de força."
A 22 de Abril de 1991 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.
Em julho de 1991 é eleito presidente do CNA, e passa a empreender viagens a vários países (inclusive ao Brasil ), mostrando-se desde então verdadeiro estadista.
Em julho de 1992 um
referendo entre os brancos dão ao governo, com mais de 68% de votos, o aval para as reformas e permitem a realização de uma futura constituinte.
"Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, da sua origem ou da sua religião. Para odiar, é preciso aprender. E, se podem aprender a odiar, as pessoas também podem aprender a amar." |
Mandela |
O prêmio Nobel da Paz
Em 1993 ele e de Klerk são agraciados com o Prêmio Nobel da Paz. Em seu discurso assinalou: "O valor deste prêmio que dividimos será e deve ser medido pela alegre paz que triunfamos, porque a humanidade comum que une negros e brancos em uma só raça humana teria dito a cada um de nós que devemos viver como as crianças do paraíso". Após a recepção da cerimônia de premiação, Nelson Mandela prestou homenagem a Frederik de Klerk citando que ...teve a coragem de admitir que um terrível mal tinha sido feito para o nosso país e nosso povo com a imposição do sistema apartheid.
Mandela e Klerk apertando as mãos, símbolo de conciliação
As eleições
A eleições ocorrem em 26 a 28 de abril de 1994. Mandela (e o CNA com suas 34 facções) obtém 62% dos votos, seguido pelo Partido Nacional (20%) e os zulus (com 10%).
Mandela votando em 1993
Somente a uma pessoa Mandela demonstrava desprezo como a de Klerk - ao líder zulu Mangosuthu Buthelezi, a quem considerava perigoso, capaz de levar o país a uma guerra civil, se isto lhe conviesse. Muitos ficaram surpresos, então, quando o nomeou seu ministro do Interior; o presidente queria manter o adversário bem próximo, sob sua vigilância - apesar de considerá-lo volúvel e indigno de confiança.
O governo
Muitos no país reprovam a forma como Mandela protegeu os amigos de conduta suspeita, que tiveram rápido crescimento de suas fortunas pessoais.
O renomado escritor sul-africano André Brink, contudo, faz uma leitura positiva em artigo publicado logo ao fim do mandato, e coloca Mandela como o maior nome do século XX; comparando-o a outros expoentes - como Gandhi ou Martin Luther King Jr., acentua que esses morreram sem que tivessem ocasião de experimentar o exercício do poder; outros, como Eisenhower ou Churchill, que se destacaram em momentos de guerra, não o fizeram durante a paz. Apesar dos erros, como ainvasão do Lesoto de 1998, o recrudescimento do racismo (de brancos e de negros), a corrupção e outros, ele deve ser visto como a pessoa que realmente conseguiu irmanar a todos, a ponto de tornar-se um ícone sagrado para o mundo.
Conviveu com o Arcebispo Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz que foi conselheiro e amigo pessoal. Quando se viu separado oficialmente de sua segunda esposa, convivia com sua terceira esposa sem se casar, e fora conselhado a oficializar a união.
Em julho de 1995 cria a Comissão da Verdade e Reconciliação, seu maior legado, sem poderes judicantes, sob presidência do arcebispo Tutu, que conclui seus trabalhos recomendando fossem processados Botha, Buthelezi e Winnie, sua segunda ex-esposa.
Um dos episódios mais marcantes de sua vida pública, por exemplo, teve relação com a seleção nacional de rúgbi, os Springboks (nome vindo de uma espécie de antílope da fauna local), esporte que Madiba, como era carinhosamente chamado pelo povo, nunca praticou. Ele mal entendia as regras, segundo o "USA Today Sports". Em 1994, após deixar a vida no cárcere, onde ficou 27 anos, Mandela percebeu que uma maneira de reduzir as diferenças ainda remanescentes do extinto Apartheid, regime racista que ficou vigente de 1948 a 1993, era usar o esporte, fazendo com que os brancos e os negros sul-africanos se unissem em uma só torcida. A distinção, contudo, era muito marcante, e ele precisou lutar muito.
Os brancos jogavam rúgbi, enquanto os negros, futebol. Há registros de que o próprio Mandela, quando jovem, era um dos opositores dos Springboks. Mas assim que conseguiu o cargo de presidente eleito pelo voto universal no país, o ex-mandatário conseguiu que a África do Sul alcançasse o direito de sediar a Copa do Mundo de rúgbi do ano seguinte. Além disso, Madiba apoiou o time, fato que incomodava tanto brancos quanto negros no início, que acabou vencendo a competição em casa sobre a Nova Zelândia. O episódio culminou no filme "Invictus", estrelado pelos atores Morgan Freeman, que interpretou Mandela, e Matt Damon, que fez o capitão dos Springboks, François Pienaar, crucial na ocasião por ter incorporado as ideias de Madiba.
Mandela aperta mão de François Pienaar, em 1995 (Foto: Getty Images)
Mas nem tudo foi fácil. Muitas questões controversas nos seus casamentos foram tornadas públicas, e causando certo desconforto a opinião pública. Em julho de 1998 Mandela ordena uma intervenção militar no Lesoto, que vivia uma situação de anarquia, com saques e lutas, após eleições gerais em maio daquele ano, atitude esta considerada controversa.
A 16 de junho de 1999 tem fim seu mandato.
A aposentadoria
Mesmo aposentado não conseguiu se afastar completamente da vida política. Em 2000 Mandela foi procurado pelo milionário britânico Richard Branson e pelo músico e ativista Peter Gabriel para a criação de uma entidade que viesse a congregar estadistas de renome que não estejam mais ativos em suas funções públicas, com o objetivo colaborar na solução de problemas mundiais; em 18 de julho de 2007, data do octogésimo nono aniversário de Mandela, em Joanesburgo, foi fundada a organização The Elders, em cerimônia presidida pelo arcebispo Tutu; Mandela, por motivos de saúde, não pôde estar presente.
A copa da mundo
A realização da primeira Copa do Mundo de futebol no continente africano criou uma grande expectativa da aparição do nonagenário Mandela na cerimônia de abertura do evento, como o grande anfitrião do país-sede. mas o estado de saúde e uma tragédia familiar não permitiria.
No começo da gélida noite de domingo da final da copa, às 19h 13, o locutor anunciou a entrada de Mandela no gramado.
Ladeado pela sua terceira esposa Graça Machel e sentados num carrinho elétrico, ele acenou para o público numa aparição que durou 3 minutos; contrariando a expectativa de Joseph Blatter de que ele deveria entregar a taça ao campeão, Mandela despediu-se do dirigente na entrada dos vestiários, com seu sorriso "inimitável".
A torcida nas arquibancadas e nas ruas deu um show mostrando ao mundo que Mandela estava certo. A seleção nacional, chamada carinhosamente de Bafana-Bafana, com suas ruidosas vuvuzelas, chegou a lutar pela classificação, mas não conseguiu. Ficou uma lição de paz e alegria, mas acima de tudo do exemplo de Madiba, menos de 15 anos depois de sua soltura, brancos e negros se abraçavam por toda a África do Sul e provando que o Apartheid havia sido extinto.
No dia 5 de dezembro de 2013 o presidente sul-africano Jacob Zuma anunciou a morte do seu antecessor: "A nação perde seu maior líder", completando: "Ainda que soubéssemos que esse dia iria chegar, nada pode diminuir nosso sentimento de perda profunda"; declarando luto nacional e anunciando que o funeral deve ocorrer na capital, Joanesburgo, no sábado - dia 7 de dezembro, com as honras de Estado.
Madiba teria dito: "A morte é inevitável. Quando um homem fez o que considera seu dever para com seu povo e seu país, pode descansar em paz. Acredito ter feito esse esforço, e é por isso, então, que dormirei pela eternidade."
Como seu epitáfio, Mandela havia um dia declarado que gostaria de ter escrito somente: "Aqui jaz um homem que cumpriu o seu dever na Terra".
No anúncio presidencial, feito pela televisão, Zuma acentuou o papel de Mandela para seu país: "Ele está agora a descansar. Ele está agora em paz. A nossa nação perdeu o seu maior filho. O nosso povo perdeu um pai".
Siga seu caminho em paz e continue entre nós nos orientando no crescimento da igualdade entre os homens.
Free Mandela! Live Madiba!